“Cor não é só cor. É conceito. O verde é calmo, o vermelho é quente, o preto é sóbrio. Assim escolho minhas roupas e meus sapatos”. (Olga Barbosa da Silva Pereira)
Assim é o mundo em preto e branco descrito por uma acromata. Mas, como ocorre essa percepção nos indivíduos cromáticos?
Segundo a Classificação Internacional da Funcionalidade (CIF, 2003) a visão de cores é uma função visual relacionada à diferenciação e combinação de cores.
Pouco conhecida no bebê, aos 2 meses uma criança é capaz de discriminar comprimentos de onda semelhante ao adulto, embora ela necessite cores mais fortes, com maior brilho.
A identificação de uma cor relaciona-se a uma série de fatores incluindo não somente a cor de um objeto, mas, de todos os objetos ao seu redor. Devem ser consideradas as suas características básicas como tonalidade ou tom, relacionada com o comprimento de onda da radiação (nomeação da cor), saturação ou croma, grau de pureza da cor e brilho ou luminosidade, relativo à quantidade de luz emitida por um objeto. A modificação de um desses fatores pode ajudar na percepção da cor. Assim, as cores são relativas, como afirma Hyvarinen (2011).
São conhecidas várias teorias para explicar a visão cromática, citadas por Urbano (1976). A Teoria tricromática de Young – Helmholtz (1802) é considerada a base da óptica fisiológica. Ela estabelece a existência na retina de três mecanismos neurais independentes. Cada ponto sensível da retina ao ser estimulado agiria sobre uma parte específica do espectro, resultando no vermelho, verde e azul, cores básicas. A combinação da quantidade de cada cor forma todo o espectro visível. Contudo, esta teoria não explica porque certas cores se inibem entre si. Ewald Hering (1872), acreditava na existência de três canais de cores complementares e antagônicos: vermelho-verde, azul-amarelo e branco-preto, compatível com o princípio neurofisiológico da excitação e inibição (teoria da oponência das cores). Riggs (1967) admite que a visão cromática é um misto da teoria tricromática de Young/Helmholtz e outras como a teoria de oponência das cores. Brindley (1957), admite a participação de toda a via óptica desde cones e bastonetes até o córtex estriado. Bartels e Zeki (2000) descrevem o complexo V4, considerado o centro do senso cromático no córtex cerebral.
Segundo WRIGHT (1957), do ponto de vista cromático os indivíduos podem ser classificados como tricromata (normal e anormal), dicromata, acromata ou monocromata. Os tricromatas normais percebem todo o espectro visível ao olho humano, desde o azul (380 nm), passando pelo verde (500 nm) até o vermelho (780 nm).
Já os tricromatas anormais percebem as três cores básicas, mas, uma delas de forma deficitária – é a protanomalia no déficit para o vermelho; a deutanomalia, para o verde, a tritanomalia para o azul e a tetartanomalia para o amarelo, também considerado cor básica por Hartridge. Para vê-la corretamente é necessário aumentar uma das três variáveis da luz monocromática: saturação, tonalidade e brilho. O dicromata não percebe uma das três cores básicas, mesmo modificando suas variáveis – têm-se a protanopia, deutanopia, tritanopia ou tetartanopia. O acromata identifica somente brilhos diferentes.
Discromatopsia (dis=distúrbio; cromos=cor; opsis=olho) é um termo genérico usado para designar qualquer distúrbio de cores. Pode ser classificada em formas congênitas (hereditárias) e adquiridas. O termo daltonismo refere-se comumente a uma discromatopsia congênita. As formas congênitas protan e deutan são recessivas ligadas ao cromossomo X; o distúrbio tritan é autossômico dominante e a acromatopsia autossômica recessiva. A discromatopsia congênita no eixo vermelho-verde é a mais comum, sendo mais frequente nos homens (8%) que nas mulheres (0,4%). Já no eixo azul-amarelo ela é rara. As formas adquiridas, sem componente genético, são devidas a doenças sistêmicas ou oculares propriamente ditas.
As alterações do senso cromático podem ser determinadas através de inúmeros testes cromáticos. Abordaremos aqui os mais comumente usados em nossa clínica diária.
Os testes de Discriminação ou Confusão constituem o Teste de Ishihara, Color Vision Testing Made Easy (CVTME), Atlas de Hardy-Rand-Rittler (HRR).
Consistem em lâminas com figuras de diferentes cores e tamanhos, que mascaram números, figuras ou linhas sinuosas. O teste de Ishihara é o mais empregado, de fácil e rápida realização. Utilizado basicamente, para identificar discromatopsias hereditárias no eixo vermelho/verde e acromatopsia. Cada tábua tem sensibilidade e especificidade entre 85 a 95% e o exame completo muito próximo a 100%. Às vezes, falha no diagnóstico de uma discromatopsia moderada ou detecta uma, em indivíduo normal, que apresenta apenas uma discriminação baixa para cores. O CVTME é similar ao Ishihara. Consiste em lâminas que contêm figuras de círculo, quadrado, estrela, barco, cachorro ou carro. Adequado para crianças maiores de três anos. O HRR estuda as alterações do senso cromático, tanto qualitativa (protan, deutan, tritan e tetartan), quanto quantitativamente (leve, moderada, forte). Contudo, às vezes falha nas discromatopsias congênitas, sendo mais indicado para as formas adquiridas.
Os métodos de comparação ou classificação mais comumente utilizados são: Panel D15 de Farnsworth-munsell (Panel D 15), D15 dessaturado, Teste de Farnsworth-munsell 100 Hue e Good Lite Panel 16 Quantative Color Vision Test (Panel 16). São indicados, preferencialmente, nas discromatopsias adquiridas, podendo mostrar-se normal nas discromatopsias congênitas. Panel D 15 (Linsksz,1964), constitui teste simples, rápido e pode ser aplicado em crianças acima de cinco anos, que colaboram bem. Panel D 15 dessaturado – Lanthony (1974), detecta formas frustas de distúrbio cromático, que escapam ao Panel D15, quando tricromatas normais e anormais podem apresentar resultado normal. Teste de 100 Hue – Farnsworth(1943) , consta de 85 pastilhas com o mesmo brilho e pequeníssimas diferenças de saturação e o mínimo de tonalidade diferencial entre elas. Classifica as discromatopsias (sobretudo as adquiridas) qualitativa, mas, não quantitativamente. Consome muito tempo na sua realização além de necessitar boa colaboração do examinando o que, limita seu uso na prática diária. O Panel 16 é um método de comparação semelhante ao D 15, sendo indicado na baixa visão por utilizar pastilhas maiores, de mais fácil reconhecimento.
Tem sido demonstrado ao longo dos anos que nenhum teste de visão de cores é auto suficiente. Para um diagnóstico conclusivo de uma discromatopsia, torna-se necessária a realização de exames complementares ao Ishihara quando a caracterização do tipo e grau da discromatopsia se torna necessário.
Não existe um tratamento específico para a discromatopsia. Na forma adquirida, o tratamento da patologia de base ajuda a melhorar a percepção da cor. Pode-se, também, adotar outras condutas como a melhora do nível de iluminação, evitando-se luz fluorescente, adoção de estratégias de identificação através de formas e tamanhos variados, uso de cores contrastantes para o objeto e seu fundo (cores opostas) além do uso de filtros coloridos, lembrando que o filtro vermelho intensifica a percepção do vermelho e diminui o brilho do verde facilitando assim, a melhor identificação das cores. Aplicativos como o Be my eyes ou o Colorino podem ser prescritos para ajudar na identificação da cor. Os óculos EnChroma são bem indicados para os tricromatas anormais tendo resposta limitada nos dicromatas.
O interesse pelo estudo da visão cromática mostra-se crescente. O conhecimento do grau e tipo de uma discromatopsia permite esclarecer um diagnóstico, orientar o indivíduo em suas atividades diárias e escolares, além de permitir melhor orientação a adolescentes e adultos na escolha da profissão, promovendo uma melhor qualidade de vida.
*Artigo publicado por Luciene Fernandes – Oftalmologista associada à SMO.