Coronavírus: o uso de óculos realmente protege?

No dia 16 de setembro, fora publicado numa importante revista médica (JAMA Ophthalmology) um artigo científico que mostrou que de 276 pacientes internados num hospital da província chinesa de Hubei para tratamento de COVID-19, apenas 16 deles (5,8%) usavam óculos por 8 horas, ou mais, por dia, em decorrência de miopia. Nesta região da China, cerca de 30% da população é míope, assim seria intuitivo esperar que cerca de 30% dos pacientes internados fossem míopes.

Ao menos teoricamente, o uso de óculos poderia resultar numa barreira adicional à entrada do novo Coronavírus no organismo. Isto porque a conjuntiva é uma superfície mucosa, a qual é menos eficiente que a pele, por exemplo, na contenção à entrada de micro-organismos, entre os quais, os vírus. Além disto, parte da lágrima é drenada da superfície dos olhos para interior do nariz, o qual também é uma superfície mucosa, podendo atuar como mais uma via de entrada para o novo Coronavírus.

No entanto, inúmeros são os exemplos em Medicina para os quais uma possibilidade não se confirma na prática. O que se sabe até agora é que higienizar as mãos (ao lavá-las bem ou a partir do uso de álcool gel a 70%), fazer uso adequado de máscaras e evitar aglomerações são as medidas mais importantes a serem tomadas em termos coletivos. Especificamente aos profissionais de saúde, no manuseio de pacientes com COVID-19, como parte dos equipamentos de proteção individual, o uso de óculos de proteção é recomendado.

A dúvida que naturalmente surge a partir da observação mostrada neste estudo é se o uso de algum tipo de óculos deveria ser recomendado a todas as pessoas. Uma resposta criteriosa deve levar os seguintes pontos em consideração:

  • Correlação não implica em causa, ou seja, não significa que usar óculos seja necessariamente a causa da menor taxa de infecção entre míopes;
  • O desenho do estudo não é o mais apropriado para generalização das conclusões, fator reconhecido pelos próprios autores.

Em meio a uma pandemia cujos efeitos, em maior ou menor grau, são sentidos por todos, informação científica que auxilie no combate ao Coronavírus são muito bem-vindas. No entanto, a interpretação de tais informações também deve seguir o mesmo rigor científico. Do contrário, corremos o risco de abrirmos mão da Medicina baseada em evidências, em favor da Medicina de outros tempos…

 

*Artigo publicado por Giuliano Freitas – Oftalmologista associado à SMO.

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